sexta-feira, 27 de julho de 2012

Zezinho e a Caridade- Por André Cozta



Zezinho andava, nos últimos tempos, observando os trabalhos realizados em seu terreiro e em outros que visitava, periodicamente, quando era convidado por amigos e irmãos de fé.
Chamava-lhe a atenção, a forma como os trabalhos eram realizados. Aprendera, desde sua incursão na religião umbandista e, alguns anos depois, consagrado em seu primeiro grau da Magia Divina (a Magia das 7 Chamas Sagradas), que todo o recurso usado religiosa ou magísticamente, é um Poder concedido pelo Alto, ou seja, por Deus. Portanto, é negada ao médium ou ao mago a venda de “serviços”.
Primeiramente, por que caridade não é serviço e, em segundo lugar, por que não se deve vender o que não é seu.
Assim aprendeu, absorveu em seu íntimo e praticava fidedignamente nos seus trabalhos religiosos ou na Magia Divina.
Na Umbanda, dava passagem para os seus guias que, por motivos mais do que óbvios, já não vivendo mais no plano material, eram livres de necessidades que são inerentes a nós, os encarnados. Na Magia Divina, praticava seus atendimentos e tratamentos, certo de que aquele era um sacerdócio, fazia parte da sua missão. Para sobreviver, tinha em mente que sua profissão o servia muito bem.
Ainda assim, refletia muito acerca de coisas que via nas práticas magísticas ou religiosas que, profundamente, o incomodavam.
Certa noite, chegou em casa pensativo, tomou um banho, fez sua refeição e, contrariando sua rotina, foi dormir cedo.
Dormiu rapidamente e sonhou. Em seu sonho, trilhava uma estrada escura que era iluminada ao longe por um raio de sol.
Sentia a necessidade de trilhar cada vez mais rápido por aquela estrada, intuía que quanto mais próximo do sol estivesse, melhor seria sua visão para algo ou alguém que o aguardava e que não sabia do que ou de quem se tratava.
Quando estava muito próximo daquela luz solar, já bem cansado, ouviu uma sonora gargalhada. E, rapidamente, surgiu à sua frente um guardião. Era um homem alto, pele branca, cavanhaque negro, calça, camisa e capa pretas.
Rapidamente, aquele Exu tirou seu chapéu preto e curvou-se, saudando Zezinho:
- Bem vindo, moço! É muito bom tê-lo aqui comigo!
Mais uma vez, a fim de não desviar o foco central desta estória, não revelaremos o nome do Guardião.
Zezinho falou:
- O senhor é...
- Sim, mocinho, sou eu mesmo, o Exu que o acompanha de perto.
Zezinho sorriu, visivelmente feliz. O Exu falou;
- Venha comigo!
Rapidamente, envolveu Zezinho em sua capa negra e volitaram dali para um centro, onde acontecia, naquele instante, um trabalho espiritual.
Naquele lugar, puderam ver o desvirtuamento do trabalho. Espíritos de baixa vibração conduziam a dirigente da casa, que trocava serviços por dinheiro, em amarrações no amor, vinganças e outras baixas magias.
O Exu colocou sua mão esquerda no ombro direito de Zezinho e, com a mão direita, apontou para a assistência, dizendo:
- Está vendo, moço, aquele casal aguardando ansiosamente na assistência?
- Sim, meu senhor?
- Pois bem, eles foram atingidos por um trabalho encomendado à esta mãe de santo e cá estão a fim de pedir o seu auxílio. Não sabem que ela foi a operadora do feitiço que os tem prejudicado, que colocou seres trevosos dentro do seu lar, que estão atormentando-os 24 horas por dia. Eles não sabem a causa, nem de onde veio. Pois, lhe digo, a irmã daquela moça, que nutre por ela uma inveja descomunal, foi a mentora disso tudo e esta senhora, mãe de santo desta casa, a executora.
- Mas e como ficará esta situação, meu senhor?
- Perceba, meu nobre moço, mesmo este casal que aqui está, vem com a intenção de pagar qualquer quantia, desde que se livrem do mal que os acomete. É um círculo vicioso, que sustenta, infla e aumenta o ego desta dirigente espiritual e um prato cheio para estes seres trevosos que conduzem o trabalho, como você está vendo.
- Então, eles entrarão neste círculo e não mais sairão, meu senhor?
- Não digo que nunca mais, por que, para a eternidade não existe isso, meu moço, mas, rodarão por muito tempo neste círculo até que fiquem muito tontos, caiam e, então, se conscientizem.  E afirmo a você, considerando o tempo que vocês contam aqui no plano material, durante uma encarnação, levarão muito tempo até acordarem... isto, se acordarem a tempo, meu bom moço!
Zezinho franziu  a testa, visivelmente preocupado. Nosso personagem central era um jovem médium e mago, mas, muito preocupado com os rumos da sua religião, da Magia Divina e do plano material da vida humana como um todo.
Novamente, o Exu envolveu-o em sua capa e ambos volitaram para um verdadeiro centro de Umbanda.
Lá, Zezinho rapidamente identificou o dirigente espiritual. Um senhor de cabelos brancos, sorriso largo... sorriso este que transmitia uma luz indescritível.
Os espíritos que o acompanhavam (e não eram poucos), todos de muita luz (Pretos Velhos, Caboclos, Exus, Ciganos, Boiadeiros, Baianos e Marinheiros), garantiam a eficácia nos trabalhos daquela casa, que eram todos realizados com ética e amor.
Ao contrário do outro centro, onde Zezinho pode observar certa “farra”, tanto por parte dos médiuns trabalhadores, quanto por parte das pessoas que compunham a assistência, naquele, viu limpeza, organização e dedicação de cada trabalhador.
O Exu falou:
- Está vendo, mocinho! Lá, o ambiente propiciava a balbúrdia espiritual. E só nessa balbúrdia os espíritos daquela vibração conseguem instaurar suas falsas leis. Aquela farra levava à assistência a mesma energia. Aqui, você pode ver Fé e Amor como condutoras dos trabalhos. Isto se reflete em tudo e você percebe como os assistentes, concentrados, orando, aguardam o momento dos seus atendimentos.
Zezinho, observando a tudo com atenção, sacudia a cabeça concordando com seu guardião.
Sempre que assistia ou participava de um trabalho espiritual  (quando assim fazia a partir da sua visão do lado material), não conseguia perceber com tanta amplitude o contexto de dois tipos de trabalhos tão distintos: o caritativo, baseado na Fé e realizado com Amor e o trabalho calcado na vaidade, sustentado pela moeda.
Ver tudo daquela forma, estando do lado etérico, mostrou a Zezinho que há sempre duas vias, dois caminhos. Cabe àqueles que trabalham na Umbanda ou na Magia Divina, apenas, optar. E tendo optado, arcar com as consequências, sejam elas positivas ou negativas.
O Exu conduziu Zezinho de volta ao lugar aonde haviam se encontrado. Ali, sob o Sol, despediram-se e Zezinho voltou a caminhar, agora no sentido contrário, rumo à penumbra de onde havia saído.
Acordou-se lembrando de cada detalhe daquele sonho. Refletiu muito, chegando à seguinte conclusão: “O meu trabalho como Mago servidor do Pai na Magia Divina e como médium na Umbanda Sagrada, deve estar sempre baseado na caridade. Tantas vezes vi médiuns que não cobram em dinheiro, mas, cobram com a vaidade. Auxiliam as pessoas, única e exclusivamente com o intuito de nutrirem seus egos inflados. Qual a diferença destes para aqueles que cobram? Para mim, nenhuma! O trabalhador de Umbanda e da Magia Divina deve ser um samaritano. Jamais deve pensar em moeda ou qualquer outro tipo de recompensa, mesmo que abstrata, mesmo que sentimental ou emocional. Dar o que é Divino e pelo Pai lhe é propiciado àquele irmão que necessita é nossa obrigação. Este sonho foi uma grande lição de vida para mim. Se antes eu já calcava minha missão na caridade, agora eu sei que em ambientes que não conduzirem os trabalhos pela via caritativa, neles não estarei.”
Zezinho sorriu, aliviado. Aquele passeio direcionado pelo seu Exu Guardião havia lhe proporcionado além de muito aprendizado, um alívio interior, esgotando em seu íntimo questionamentos que o incomodavam muito naqueles últimos dias.
Zezinho, agora, dormiria tranquilo. E você, Mago na Magia Divina ou Médium de Umbanda, tem dormido tranquilo?

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