quarta-feira, 17 de junho de 2009

triste tropicália?

Dudah Oliveira*

“O antropólogo Claude Lévi-Strauss não gostou da baía de Guanabara”, nos fala a famosa música de Caetano Veloso, citando a decepção dos brasileiros com o fato de que um eminente estudioso, que estava presente no país para instalar a USP, não se sentiu nada seduzido para algo que imaginávamos universal.
Na primeira metade do século XX era possível se deparar com os especialistas franceses, emitindo suas opiniões sobre os mais diversos aspectos de nossa realidade social. Na Bahia, dois antropólogos franceses acabaram tendo relações bem diferentes com a realidade local. Creio que podemos até afirmar que Roger Bastide e Pierre Verger chegaram até a conclusão divergente sobre aquilo que mais os intrigou na Cidade da Bahia: o Candomblé.
Bastide, um acadêmico refinado, contemporâneo dos “pais” da moderna etnologia, também chegou ao Brasil com a missão francesa que implantou a Universidade de São Paulo, onde ocupou a cátedra de Sociologia. Como Lévi-Strauss, aproveitou sua estada no país para desenvolver estudos sobre aspectos da cultura local. Verger, por sua vez, não tinha compromisso com as normas e disputas acadêmicas. Foi um autodidata que usou da “metodologia científica francesa” para responder questões postas por sua curiosa admiração pelo “outro”. Ambos vão observar o mesmo fenômeno, mas vão chegar a lugares distintos.
Bastide circulou pelos principais terreiros da cidade e teve suas impressões oriundas da relação que manteve com estudiosos locais. Para ele, o candomblé era um fenômeno em vias de extinção. Ele o via como um produto de um Brasil colonial e eminentemente agrário , movido por cana-de-açúcar e trabalho escravo, e percebia que este país estava rumando para uma mudança radical promovidos pela urbanização e desenvolvimento industrial. Por comer no prato da elite local, Bastide foi induzido a crer que este movimento nos levaria na direção de uma cultura urbana fundamentalmente mestiça onde, do ponto de vista religioso, o candomblé perderia terreno para a umbanda, porque esta representaria algo mais “modernizante e mestiço”.
Quem sabe não foi o trabalho de Verger que nos levou à falência desta profecia? Ele perseguiu como ninguém o “ponto de contato” entre o Candomblé e sua matriz africana e seus congêneres americanos. Apontou as conexões históricas, sociais e econômicas e demonstrou o caráter modernizante e (re)inventivo, capaz de atualizar o culto aos Orixás em sociedades inimigas em várias regiões da África.
Quanto à Bahia, Verger percebeu como ninguém que o povo tinha uma força e uma ética racial completamente distinta do pensamento hegemônico. Que sua religião lhes dava um viés de tolerância e generosidade para com o próximo muito característico de uma percepção humanística. A generosidade que permitiu que hoje a origem de muita coisa da chamada cultura brasileira seja completamente ignorada, mas que revela quem teve de fato força para conquistar almas, gostos e sabores; que revela como nossa maneira de “ver o mundo” não desconecta o “real” do “transcendental”; onde a vida não tem fim na esfera material; e onde o passado e o futuro parecem ter certa equivalência.
O Brasil, embora o mestiço de Bastide, tem a beleza e a complexidade de um Pierre Fatumbi Verger, filho de Xangô!

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