quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Liberdade no Horizonte & Canções de Liberdade


LIBERDADE NO HORIZONTE
 
Negro Velho sentado no toco, pitava seu cachimbo.
O menino no seu colo olhava para o céu.
- Menino pode ver, agora que o sol caiu e as estrelas se levantaram, como, mesmo à noite, é belo o horizonte!
- Estou vendo, Vovô! Mas, meu Vovô, por que as estrelas ficam soltas no céu e não caem?
- Por que elas são livres, menino!
- E tudo o que é livre não cai, meu Vovô?
- Depende, menino! Na verdade, há coisas e pessoas que estão soltas por aí, andando sem direção. Outras,estão estagnadas, paradas mesmo, sabe, menino? E tanto aquelas que estão soltas e sem direção, quanto as que estão estagnadas, podem até parecerem livres, mas, em ambos os casos estão perdidas.
- Então, o que eu tenho que fazer para ser livre de verdade, meu Vovô?
- Primeiro, tem que conhecer bem a si próprio. Depois, conhecer o ‘mundo’ que o rodeia. Adquirindo maisconhecimento a cada dia, você será um homem livre de fato, menino!
- Então, eu preciso estudar, Vovô?
- Estudar, se informar, buscar o conhecimento nas suas variadas formas, menino.
- Mas, meu Vovô, o que as estrelas fazem lá no céu todas as noites?
- Elas são os ‘Olhos de Deus’ na escuridão, menino.
- Mas, os ‘Olhos de Deus’ não são livres, Vovô.
- Por que você diz isso, menino?
- Por que elas estão paradas lá no céu. E o senhor disse que tudo o que fica parado pode até parecer, mas não é livre.
- Olhe bem para o céu, menino.
Ele olhou. Negro Velho prosseguiu:
- Está vendo os belos desenhos formados nos espaços entre as estrelas, menino?
- Estou sim, Vovô.
- Isto prova que elas não estão soltas ao relento ou então ‘presas’ no espaço, menino. Estes desenhos mostram que elas estão bem seguras, pois estão enfeitando os dedos dos Sagrados Orixás.
O menino sorriu e entendeu, a partir daquela noite, que a liberdade é conquistada com amor, disciplina, fé e conhecimento.
Olhe para o sol durante o dia, olhe para as estrelas durante à noite.
Depois, olhe para o seu coração. “A sua carta de alforria está dentro dele.”
 
Mensagem ditada por Pai Thomé do Congo
Anotada por André Cozta
 
 
 
 
CANÇÕES DE LIBERDADE.

Quando eu andava por aquela propriedade, nos dias mais calmos, podia sentir o ar quente daquele lugar.
Eu era escravo em uma fazenda no interior de Alagoas. Meu senhor era um homem de poucos amigos e talhado na crueldade, porém, eu, até então, tinha a sorte de contar com a simpatia dele.
Após um tempo, descobri que ele me preservava, por que gostava dos meus assobios.
Meu nome era João. Nasci em uma fazenda vizinha, filho de uma angolana e um negro baiano.
Vivia, apesar das agruras da vida de um negro àquela época, emanando felicidade. E, por isso, tinha a simpatia de todos os meus irmãos de cor, mas também dos senhores brancos, que me pediam, muitas vezes, para assobiar para eles.
Eu tinha um assobio para cada situação.
Uma senhora negra curandeira, que vivia entre nós, sempre me pedia, quando tratava dos negros  que sobreviviam aos maus tratos, que acompanhasse o seu trabalho assobiando. Ela  dizia que meus assobios eram curativos para as feridas de nossos irmãos.
Eu não sabia como, à época, mas, sempre tinha um assobio diferente para cada situação. E, nas ocasiões de tratamentos de saúde ou de feridas dos meus irmãos negros, sentia que a canção fluía do fundo da minha alma.
Aquele senhor faleceu. Sua família me pediu que assobiasse antes do seu corpo ser colocado de volta à terra. E, como um negro obediente, lá estava eu, João Sabiá (assim eu havia sido “rebatizado” pelos meus irmãos de senzala)  assobiando na despedida daquele homem cruel, responsável pelo fim da vida de tantos irmãos meus.
Os anos se passaram, continuei trabalhando no arado, preparando a terra para o plantio e assobiando.
Negro naquela época não tinha idade. Via o tempo passar pelas mãos enrugadas, pelo corpo e pelos cabelos embranquecidos. Porém, quando eu achava ter mais ou menos uns 60 anos, se deu o episódio final daquela etapa da minha jornada.
Havia algum tempo eu havia parado de assobiar, pois, me encontrava triste com tantas mortes seguidas de tantos irmãos negros.
E, quando fui chamado pelo senhor (filho do antigo senhor), não respondi ao seu questionamento,sobre o porquê de eu ter parado de assobiar.
Ele insistiu. Apenas abaixei a cabeça e chorei.
Ele voltou a perguntar. Então, com lágrimas nos olhos, olhei para ele e falei:
- Por que o meu coração se calou diante da sua crueldade de homem branco. Eu posso ter a pele preta, mas sou homem e tenho honra, e juro ao senhor aqui na sua frente, que nunca mais assobiarei.
Ele mandou que seus jagunços me tirassem dali.
Naquele mesmo dia, encontrava-me no pau de sebo, sendo chibateado pelo meu senhor.
Ele gritava para eu assobiar, mas, negro só fazia chorar e gemer.
Senti, aos poucos, meu espírito desvencilhando-se suavemente daquele, que foi meu último corpo carnal.
Ainda pude ver aquele homem infeliz chibateando meu corpo e gritando, pensando que ainda me encontrava vivo.
Eu, um negro já velho, naquele momento pude sentir, pela primeira vez, o doce sabor da liberdade.
E ali, olhando aquela cena triste, assobiei o canto da alforria.
Tive muitas andanças pelo astral. Fui preparado e hoje sou um trabalhador da Umbanda: o Preto Velho João Sabiá.
Poucos me conhecem. Mas, estou em quase todos os terreiros, animando os corações de médiuns e assistentes com minhas canções assobiadas.
Quando você médium, trabalhar na cura ou na mironga, assobiando, ou você, adepto desta linda religião, ver um médium trabalhar assobiando, saiba, de algum modo, João Sabiá está ali.
Trago este relato para me apresentar e para mostrar que há um mistério por trás das canções assobiadas, que são terapêuticas, que curam e que renovam sua alma.
Conquistei minha liberdade assobiando. E aconselho que você, filho de fé, faça o mesmo.
Que a paz de Deus esteja em seu coração!
 
Mensagem Enviada pelo Preto Velho João Sabiá
Escrita por André Cozta
 
 

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