quarta-feira, 31 de março de 2010
PRECONCEITO, MEDO E JULGAMENTOS
Fábio andava estressado demais, além da conta nos últimos tempos.
Naquele dia, fora atravessar a Av. Protásio Alves e, por pouco, não fora atropelado. E olha que Fábio conhecia o trânsito de Porto Alegre como ninguém. Nascido e criado naquela cidade, já muito cedo, trabalhou como office-boy. Quase nunca saía de sua cidade natal, apenas no verão viajava para o litoral catarinense.
Pensou: "- Era só o que me faltava, morrer atropelado por um Corsa (carro de pobre)!"
Há 4 anos, era diretor da filial portoalegrense de uma grande empresa paulista de informática. Seu padrão de vida melhorara bastante, conseguira até comprar um apartamento, carro, casa na praia, mas, por outro lado, passou a ser um homem mais amargo, grosseiro com as pessoas ao seu redor, um chefe que (no ponto de vista de seus subordinados) estava muito próximo do que imaginava-se ser um general nazista.
Após quase ser atropelado no retorno do seu intevalo de almoço, chegou à empresa. Saiu do elevador, passou por Sheila (sua secretária) como se estivesse passando por uma rua vazia. Não olhou para ninguém e nem ouviu o "Boa tarde, seu Fábio" de alguns funcionários. Adentrou sua sala, interfonou para Sheila, pediu para não ser incomodado, pegou seu mp3 e passou a ouvir Marilyn Manson. E, ouvindo aquela música, adormeceu.
Âs seis da tarde, Sheila interfonou, Fábio não atendeu. Então, resolveu ir até a sala dele, bateu à porta, mas, ele também não atendeu. Ela ficou preocupada, mas, achou mais prudente cometer a ousadia de entrar sem anunciar-se. E assim o fez. Ao abrir a porta, para sua surpresa, seu chefe carrancudo estava dormindo, roncando produndamente, deixando escorrer levemente uma baba pelo canto direito da boca, com o mp3 caído em seus ombros.
- Ééé... com licença, seu Fábio.- ousou Sheila quase sussurrando.
Ele acordou num salto, ajeitou-se na cadeira e com a cara amassada gritou:
- QUEM MANDOU ENTRAR NA MINHA SALA SEM BATER?
- Mas, seu Fábio, eu chamei o senhor várias vezes pelo interfone, depois bati na porta. Eu fiquei preocupada.
Jà mais calmo, falou:
- Tá, tá, o que tu queres?
- É que já são seis horas, o pessoal já tá indo embora. Vim avisar o senhor.
De forma tosca, ele disse:
- Ok, já estou sabendo. Tchau e até amanhã.
- Até amanhã, seu Fábio.
Sheila foi embora, assim como todos os funcionários que ainda encontravam-se por lá.
Fábio, com o passar do tempo, deixou-se tomar, melhor dizendo, tornou-se escravo do estresse. Já com um ano na direção regional daquela empresa, viu seu noivado ruir, foi abandonado por Verônica, sua noiva, que namorava desde os 13 anos. Desde então, não teve mais namoradas, saía com várias mulheres, mas, não conseguia firmar compromisso com nenhuma delas. Na verdade, porque, nenhuma mulher suportava o jovem executivo além do terceiro encontro. Seus funcionários o aturavam, mas, rezavam pela chegada do final de semana ou de feriados prolongados, pois, os dias naquela empresa eram sempre tensos. A qualquer momento, ele poderia chamar algum deles e cobrar o trabalho gritando. Muitas vezes até humilhava algum funcionário ou funcionária na frente dos colegas. Chegava ao ponto, algumas vezes, de fazer ironias publicamente a respeito da vida particular de algum funcionário. Houve um dia em que humilhou o office-boy na frente dos funcionários com piadas preconceituosas referentes ao local onde o menino morava, a Vila Bom Jesus. Era o tipo de homem que pré-julgava a tudo e a todos. Era o chefe, portanto, em sua ótica, era o dono da verdade. Não admitia ser contrariado nas reuniões.
Após a saída de Sheila, foi ao banheiro, lavou o rosto, olhou-se no espelho e pensou: "- Essas olheiras estão acabando com meu rosto." Voltou para a sua sala, pegou um café, sentou-se em sua cadeira, pegou o controle-remoto para ligar o dvd. Até conseguiu ligar o dvd, mas, a imagem que viu foi uma imagem de explosão que, em um segundo, transformou-se em uma tela preta.
Mais ao centro da sala, ao alto, bem próximo ao teto, começou a ver pequeninas estrelas azuis que rodavam no sentido horário. Eram muitas e minúsculas estrelas, não tinha como contar e nem como calcular. Ficou pasmo com aquilo que via. Pensou: "- Meu Deus, o que é isto? Drogas eu não uso e não bebo já tem uma semana!"
De repente, as estrelinhas pararam de rodar, começaram a juntar-se e foram tomando forma. E surgiu uma menina anjo de cabelos dourados cacheados, pele branca, sorriso alvíssimo, trajada com um lindo vestido azul-claro-brilhante, como se aquela cor tivesse sido retirada de uma estrela, uma estrela azul, podendo ser chamada de azul-estelar. Ela olhou para ele e disse:
- Olá! Finalmente nos encontramos.
Fábio coçou os olhos, não acreditando no que estava vendo. Pensou: "- Deus, ainda estou dormindo? Isso só pode ser um sonho."
Coçou, coçou e coçou os olhos em vão. E concluiu que aquilo estava realmente acontecendo. Falou:
- Tu és quem?
- Nâo está vendo. A visão fala muito mais do que palavras.
- Tu és um anjo... ou melhor, uma anja?
- Se assim quer que eu seja, assim serei.
- Qual o teu nome?
- Me chame do que bem entender, do que achar melhor.
- Como assim? Eu preciso saber teu nome? Como posso eu te dar um nome?
- Está bem, se é tão importante assim, me chame de Azul Brilhante.
- Azul Brilhante.- murmurou.
Ela começou a falar:
- Bem, meu senhor, eu tenho acompanhado todos os seus passos e cá estou hoje porque urge que esclareçamos algumas coisas.
Fábio ficou olhando para Azul Brilhante, pasmo, sem nada dizer. Ela prosseguiu:
- O senhor já passou dos limites tem algum tempo. Tem sido um homem amargo, injusto consigo e com os que estão à sua volta. E nós precisamos resolver isso hoje.
- Mas, do que tu falas? Eu só cumpro meu papel, é o meu trabalho.
- Ah, sim. É o seu trabalho humilhar os outros? É o seu trabalho conduzir a sua carreira de forma a viver estressado, podendo antecipar sua partida dessa vida para antes do determinado?
- Não, mas é que...
Azul Brilhante prosseguiu:
- E, finalmente, é seu papel, é seu trabalho julgar as pessoas de forma severa, sentenciar seus atos, como se fosse um deus? Nem o Divino Criador assim o faz, meu senhor.
- Ora, Azul Brilhante, nao é bem assim, estás exagerando um pouco.
- Ah, estou exagerando? Pois bem...
Azul Brilhante estalou os dedos da mão direita e nela surgiu um pequeno machado de duas faces. Apontou para a parede, onde abriu-se um portal. E disse:
- Então vejamos, meu senhor. O senhor estava querendo ver um filme, até que eu cheguei e atrapalhei seus planos, não é mesmo? Pois agora o senhor verá um filme, nesta tela que coloquei aqui.
Fábio não sabia o que pensar, não conseguia falar, estava ali estático, olhando para aquele portal, a tal tela do qual Azul Brilhante falara.
Ela prosseguiu:
- Humm... veja só que interessante. Senhor, esta imagem é da sua adolescência, na escola. O senhor roubava sanduíches e até alguns trocados das bolsas das meninas, para depois lanchar com seus amiguinhos. E olha só esta imagem que está entrando agora. O senhor, aqui na sua empresa, em uma reunião, querendo diminuir o valor de refeição dos seus funcionários. Que interessante, hein senhor?!
Fábio estava começando a envergonhar-se. Azul Brilhante prosseguiu:
- E esta imagem aqui, senhor, que interessante! O senhor na saída do estádio de futebol, na adolescência, incitando seus colegas a baterem nos torcedores do time adversário. Agora, olha essa imagem aqui, senhor...- ela parou por um instante e ficou assistindo em silêncio-. Veja só, o senhor assediando sexualmente sua secretária. Pra sorte dela, conseguiu escapar, pra sua sorte, ela não o denunciou, não é mesmo?
Ela olhou firme no fundo dos olhos de Fábio que abaixou a cabeça, envergonhado. Voltou os olhos para o portal e prosseguiu:
- Senhor, veja estas imagens que passam rapidamente. Vamos lá: nesta, o senhor está julgando o comportamento do namorado de uma funcionária (num assunto que nem dizia respeito ao senhor, mas, aos seus ouvidos acabou chegando), dizendo a ela que deveria abandonar o namorado que estava sendo acusado de ter tentado abusar de sua irmã. Olhe esta outra, senhor, aqui o senhor está julgando e sentenciando um funcionário que bebeu demais e brigou numa partida de futebol entre amigos. Meu senhor, acho que está na profissão errada, deveria ser juiz.
- Mas é que, eu não posso ver as coisas erradas, detesto injustiças.
- É mesmo, senhor, então porque as comete? Por que antes de julgar todo e qualquer irmão seu deste planeta, o senhor não pára para pensar nas suas atitudes, na espécie de humano que o senhor tem sido?
Azul Brilhante parou de falar por um instante, respirou fundo e prosseguiu:
- Pois bem, senhor. Fui enviada aqui pelos meus superiores, por que o senhor já passou dos limites. E tenho uma revelação a fazer.
Fábio levantou a cabeça, olhou para Azul Brilhante curioso, olhos arregalados, com medo de ser sentenciado ali naquele instante. Já imaginou-se sendo enviado para o mais profundo caldeirão do inferno.
Ela disse:
- Tranquilize-se, meu senhor, não é nada disso que está pensando. Este tipo de julgamento e de sentença que, diga-se de passagem, o senhor tem praticado durante a sua jornada, não é prática do Nosso Divino Criador, portanto, nós, os anjos-emissários D'Ele não compactuamos com isto e nem o praticamos.
Ele respirou aliviado. Ela prosseguiu:
- O senhor sabe porque está conduzindo a sua vida desta forma, como um trem desgovernado e sem maquinista?
Aguardou que algo ele respondesse, mas, ele ficou olhando-a em silêncio.
- Então, o senhor é um grande julgador, um grande sentenciador hoje em dia, porque, durante os 30 anos que viveu até aqui, sempre foi um medroso, nunca confiou em si próprio.
Fábio recebeu o que ela dissera como uma facada no peito, mas, no fundo, sabia que era exatamente aquilo que acontecia com ele e do qual ele fugira a vida inteira.
- O senhor precisa...
Ele a interrompeu:
- Do que eu preciso? O que eu posso fazer para melhorar?
Azul Brilhante prosseguiu
- Era o que eu estava tentando dizer. O senhor precisa controlar sua ansiedade, não há o que temer. O senhor é soberano, é uma obra de Deus, um filho que ele ama. Mas, precisa saber que todos os seus irmãos neste planeta também o são. Inclusive, sua secretária, seu office-boy e a senhora que faz limpeza e cafezinho aqui, viu senhor?
- Sim, sim.- Fábio respondeu já mais calmo, resignado e de cabeça baixa.
Azul Brilhante prosseguiu:
- Façamos o seguinte: olhe para o portal.
Fábio levantou a cabeça, olhou para o portal e lá viu sua imagem reproduzida como se ali fosse um espelho.
- Está vendo, senhor, o que paira sobre a sua cabeça?
Ele não conseguiu responder. Viu sobre a sua cabeça uma nuvem cinza, que por alguns momentos tornava-se preta. Tomou coragem e perguntou:
- O que é isto?
- Ora, meu senhor- respondeu Azul Brilhante sorrindo-, isto é o que o senhor tem atraído para a sua aura, para sua a coroa, seu chacra coronário. Aliás, acaba refletindo nos seus outros chacras também. O senhor é aquilo que pensa. Como o senhor tem pensado e atraído energias densas e de baixa vbração, acontece isto. Esta nuvem ora cinza, ora preta, estacionou sobre a sua cabeça e fez dela a sua morada. E, por consequência disso, o senhor não dorme mais direito, irrita-se até com um belo sorriso de qualquer pessoa, não consegue mais ver beleza em nada. Resumindo: o senhor está em ruínas. Muda tudo agora ou o caos na sua vida será inevitável.
- Mas, o que eu faço, então?
- Mude de atitude, evite maus pensamentos. Só pense em coisas boas e positivas. Ouça músicas alegres, jogue fora as músicas deprimentes que o senhor tem ouvido. Sorria para as pessoas, seja amável com seus funcionários. E, esteja sempre pronto para auxiliar seus irmãos aqui neste planeta, seja na hora que for, da forma que for.
Cabisbaixo, envergonhado, chorou copiosamente.
Azul Brilhante prosseguiu:
- Mas, o senhor está recebendo uma nova chance. E eu vou dar um empurrãozinho.
Ela apontou o machado para o teto onde, instantaneamente, surgiu uma pequena nuvem branca. À distância ela foi apontando o machado para a nuvem e fazendo-a descer até aproximar-se da cabeça de Fábio. A nuvem foi aproximando-se até que chocou-se com a nuvem que estava preta naquele momento. Neste instante ela disse:
- Olhe para o portal, senhor.
Fábio olhou para o portal que, naquele instante, funcionava como um espelho, e viu a nuvem branca aproximando-se, chocando-se com a nuvem preta, um pequeno trovão surgiu como se fosse um slide. Choveu sobre a sua cabeça. Por alguns segundos ele sentiu aquela pequena chuva, que caía somente sobre ele, atingir sua cabeça, descer pelo seu corpo e aliviá-lo. Era um alívio que não sentia há muitos anos. Adormeceu.
Duas horas depois ele acordou-se. Lembrava-se perfeitamente de tudo que acontecera. Azul Brilhante não estava mais ali. Já era tarde. Foi para casa. Naquela noite, Fábio dormiu como não dormia há muito tempo.
Daquele dia em diante, como que num passe de mágica, Fábiou passou a ser um homem dócil, prestativo, caridoso e sorridente. No início, seus funcionários, parentes e amigos desconfiaram um pouco, mas, com o passar do tempo, viram que aquela mudança, além de radical, era real. Como dizia uma de suas tias: "- Um milagre, um verdadeiro milagre de Deus."
Quando perguntado sobre o que acontecera para que tivesse aquela mudança, apenas e ironicamente respondia:
- Não sei, um dia desses, peguei no sono e acordei assim.
FIM
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