Foi um dia confuso para Mikael. Já à noite, em sua casa, refletiu sobre tudo o que havia acontecido. E pensou: "- Foi um sonho? Me pareceu tudo tão real!".
Ele não sabia o que pensar, então, resolveu sair, beber, divertir-se. Desceu Santa Tereza rumo à Lapa.
Lá, sentou-se em um botequim e começou a beber. O tempo foi passando e Mikael embriagando-se. Olhava as pessoas passando na rua, observava cada movimento daquele pedaço da cidade.
De repente, sentiu vontade de chorar, mas, segurou a emoção.
Pôs a mão no bolso da calça e puxou o amuleto vermelho e preto. Não lembrava-se de ter posto aquele amuleto no bolso. O amuleto emanou uma luz vermelha e, instantaneamente Mikael olhou para a porta do bar e viu um homem sorrindo. Era um homem de cavanhaque e cabelos negros, olhar firme, sorriso largo. Telepaticamente, ele ouviu: "- Venha comigo, Mikael."Mikael pagou a conta, levantou-se e saiu do bar.
Caminhava em direção à Santa Tereza. O homem atrás dele, começou a conversar telepaticamente:"- É a mim que você acionará através do amuleto vermelho e preto sempre que precisar. Sempre que estiver na rua e precisar de ajuda, estarei por perto. Aliás, sempre que você está na rua estou por perto, mesmo quando você não me vê. Eu sou o dono de todas as ruas, de todas as encruzilhadas, domino e mando na rua, em qualquer lugar que você imaginar."
"- Mas, quem é você?- indagou Mikael telepaticamente.
"- Sou o 7 Encruzilhadas, o Exu das 7 Encruzilhadas, o seu protetor, o seu guardião, o dono da rua!"- O homem deu uma gargalhada estrondosa.
Mikael, neste momento, lembrou-se quando Aganju consagrou os amuletos e entregou-lhe. Chegou em casa e percebeu que havia caminhado uma distância enorme sozinho (normalmente, pegaria um táxi) sem medo algum.
Ao chegar ao portão, olhou para trás e seu guardião falou telepaticamente: "- Tá entregue, mureque."
Mikael sorriu para o guardião e entrou em casa. A sua tontura resultante do que havia bebido, desaparecera em parte.
Já em seu quarto, ele guardou o amuleto vermelho e preto na gaveta de sua cômoda, pegou o amuleto preto e branco, fixou o olhar nele e viu uma luz emanar do objeto, passar por sobre sua cabeça e ir para a parede que estava às suas costas. Ouviu uma risada fina e marota, parecendo ser a risada de um velhinho. Imediatamente olhou para trás, um portal de luz abriu-se e apareceu um Preto Velho sentado em um toco de árvore, com uma bengala marrom de madeira à mão direita e apoiada sobre sua perna direita que era dura e esticada. À mão esquerda, o negro velho baforejava um cachimbo marrom de madeira. De vez em quando, o velho largava a bengala sobre a perna direita para beber um vinho em uma cumbuca de cabaça.
Mikael perguntou:- Quem é o senhor? O Preto Velho soltou sua fina gargalhada e disse:
- Eu sou, meu fio, aquele que seu pai falou e enviou pra cuidá do sinhô.
- Mas, qual é o seu nome?- Pai Thomé, fio, meu nome é Pai Thomé. Quando Xangô Aganju deu pro sinhô o amuleto preto e branco ele me deu a missão de cuidá do sinhô. Então, eu tô aqui, pra fazê com que o sinhô cumpra tudo que tá escrito, fazê que o sinhô siga sua jornada sem balançar. O homem que trouxe o sinhô até aqui, o do amuleto vermeio e preto vai cuidá dos seus caminhos na rua, mas, quem vai cuidá da sua cabeça, dos caminhos que o sinhô vai traçá na vida e também vai prestá conta pro seu pai, sou eu fio.
- Entendi, mas, o que eu devo fazer pra cumprir tudo isso? É muito difícil?
O Preto Velho, pacientemente pitou seu cachimbo e, em seguida, respondeu:
- Nâo é difícil, fio. O sinhô só tem que mantê a sintonia com nego véio. Todo dia, quando acordá, pega o amuleto preto e branco, olha pra ele e conversa com nego véio. O sinhô não vai enxegá nego véio toda hora como tá vendo agora, mas, vai ouví tudo que nego véio falá no seu côco, na sua cabecinha.
Mikael ficou pasmo, olhando para aquele homem que transmitia uma paz imensurável. O Preto Velho prosseguiu:
- Fio, nego véio veio só pra se apresentá. Agora, o sinhô vai descansá, porque amanhã começa a trabaiá.
Mikael esboçou falar algo para o Preto Velho, mas, o portal fechou-se. Ele ficou intrigado, mas, neste momento, passou a entender perfeitamente o porque dos acontecimentos dos últimos dias em sua vida. E naquela noite dormiu tranquilamente como já não acontecia há muito tempo.
No dia seguinte, acordou-se, alimentou-se calmamente com um café-da-manhã especialíssimo que preparou. Estava muito feliz, radiante, pois, sabia que a partir daquele dia sua vida mudaria, a partir daquele dia sua vida tomaria uma nova forma, teria um novo sentido, o sentido real e definitivo. Após o café, resolveu ligar para Andrea, que o convidou para jantar. Encontraram-se à noite em um charmoso restaurante em Santa Tereza.
- Meu francesinho, quanto tempo! Ai, que saudades! Olha, muitas coisas aconteceram em minha vida nos últimos tempos. Preciso te contar.
- Na minha também, Andrea. Aliás, eu pensei muito em você quando soube da morte brutal do seu amigo, lá no centro da cidade. Lembro-me bem dele em algumas vezes que o encontrei com você na Lapa. Mesmo com o pouco contato que tive com ele, não tinha como não perceber sua doçura, a paz em seu olhar, seu semblante. Era uma pessoa diferenciada, não é mesmo?
- Com certeza, meu amigo (Andrea estava com a voz embargada e os olhos marejados). Ele era uma pessoa especial e diferenciada. E o poeta já disse "é tão estranho, os bons morrem jovens", mas, sinceramente, eu não consigo entender esse tipo de coisa. A saudade ainda dói, Mikael, mas, eu tenho certeza de que ele está muito bem, bem cuidado, foi bem encaminhado. Mas, enfim, Deus sabe o que faz. Me fala de você, meu francesinho.
- Ah, Andrea, muitas coisas aconteceram, mas, o mais importante, é que hoje eu tenho firmeza e certeza do que quero para mim e para minha vida.
Mikael preferiu não entrar em detalhes dos acontecimentos espirituais que mudaram sua vida. Continuou conversando com a amiga vários assuntos. Após o jantar, deixou-a em sua casa no Leme e voltou para Santa Tereza.
7 dias após o encontro, Mikael recebeu um telefonema de Andrea:
- Oi Mikael, seu sapeca! Se eu não te ligar a gente não se fala, porque você nunca me liga, né?
- Ah, desculpa, Andrea. Tenho andado recolhido pensando e planejando meu futuro.
- Tudo bem, eu te perdoo. Mas, deixa eu te falar uma coisa: tenho um amigo que dirige uma ONG na Maré. A partir do mês que vem, ele terá um escritório desta ONG na Lapa. Está com dois projetos: um de restauração dos Arcos e dos prédios da Lapa e outro de construção de casas populares na Maré para melhorar a qualidade de vida daquelas pessoas, extinguindo os barracos e trocando por moradias dignas. E, por conta disso, precisa de um arquiteto. Pensei em você. Topa?
Mikael, com os olhos marejados, respondeu à amiga:
- Topo agora. Estava esperando por este momento, Andrea.
- Então, vou passar seu telefone para ele conversar melhor com você, pode ser?
- Claro, claro. Vou aguardá-lo.
- Então está bem, amado! Vou desligar, pois, preciso trabalhar. Depois, me conta como foi o papo de vocês, tá?
- Pode deixar, Andrea.
- Tchau, nego.
- Tchau, querida.
Mikael desligou o telefone e pensou em tudo o que Aganju havia lhe falado no castelo. Lembrou-se de sua conversa com o Pai Thomé e pensou: "- Meu Deus, agora eu sei o que será, o que está sendo de mim!".
Foi para a janela, olhou para as estrelas e para a lua cheia. Voltou a olhar para as estrelas e fixou o olhar nas 3 Marias. E entre estas estrelas, viu Aganju parado, em pé, com as asas eretas e reluzentemente brancas, braços cruzados sobre o peito com o machado de duas faces na mão direita, a espada de ouro na mão esquerda e sorrindo para seu filho.
FIM
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
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